quinta-feira, 19 de junho de 2014

Pepe vs Muller - sobre o jogo e o teatro

No primeiro jogo do mundial para a selecção nacional, Portugal perdeu por 4-0 com a Alemanha. Nada correu bem para nós, mas o resultado não espelha a capacidade de jogar futebol de ambas as equipas. Acaba, isso sim, por castigar a falta de cabeça (tanto na concentração como na calma que se pede em situação de jogo) dos jogadores nacionais - essa foi a maior diferença entre as equipas.





O momento mais óbvio foi a expulsão de Pepe, e é disso que quero falar. Primeiro, sobre a expulsão em si:
A primeira coisa a dizer é que devíamos chamar as coisas pelo nome delas. O Pepe não deu uma cabeçada no Muller. Tenho visto, tanto nos jornais como na Internet, "headbutt", "cabeçada", "agressão", mas na verdade não foi nenhuma das coisas. Foi uma provocação que foi longe demais, foi anti-desportivo e demonstrou bem a agressividade para lá do que faz parte do desporto com que o Pepe entra em campo. Depois de pensar bem nisso, não tenho a certeza de que a expulsão seja o correcto nesta situação, mas nada disto desculpa a atitude inaceitável de um jogador a jogar a este nível.


Olhando para o outro protagonista do lance, o Thomas Muller, acho que tem a mesma culpa no cartório no que diz respeito a atitudes anti-desportivas: primeiro pela simulação da falta/agressão ainda enquanto o jogo estava a decorrer, e depois porque teve uma atitude tão provocatória como Pepe quando se levanta do chão e promove o incita entre os dois. Acho incrível que ele não tenha visto sequer um amarelo nesta situação; no entanto as regras do jogo parecem estar do lado do árbitro.

O TEATRO NO FUTEBOL

Acontece pelas mais variadas razões. Para fazer uma falta parecer mais grave. Para perder tempo. Para ganhar um penalti. Entretanto isto descambou para atitudes completamente irracionais. É raro não haver uma falta em que um jogador não fique "magoado" e tire uns 30 segundos para massajar a zona dorida. Já vi equipas a ganhar 2-0 a 1 minuto do fim do jogo e mesmo assim atirarem-se para o chão. Porquê?

É simples. Porque deixam. Porque não há nada previsto para lidar com esta questão. A único coisa que o árbitro pode fazer é dar um amarelo a um jogador que simula um penalti ou a outro que está descaradamente (e quase sempre só a 5 minutos do fim) a perder tempo. Exactamente o mesmo a um jogador que tira a camisola para celebrar um golo... 




Eu joguei futebol nas camadas jovens, durante 5 anos. Era guarda-redes. Sempre que me saía a um canto e não agarrava a bola mandava-me para o chão. No meio da embrulhada, era quase sempre falta. Todos nós conhecemos casos em que uma simulação deu penalti ou fez expulsar um jogador e virou o resultado.
Agora jogo futebol americano. No meu primeiro jogo fui placado pelas costas fora de campo (que é falta) e atirei-me para o chão a contorcer-me "com dores". Quando cheguei ao banco, depois dessa jogada, fui repreendido por um dos meus capitães por ter tido essa atitude. "Não voltes a fazer isso", disse-me ele.
É claro que o Futebol Americano é um desporto violento e as simulações terão sempre menor impacto porque a gravidade das faltas é irrelevante. Mas mas esta atitude existe noutros desportos também, sobretudo nos EUA. Conheço algumas pessoas que não nasceram com o futebol "no sangue". E quando falam de futebol, esta é quase sempre a razão principal para não gostarem do desporto. Isso e a falta de intensidade em momentos do jogo (e não é que existe uma ligação entre ambas as coisas?). Porquê esta diferença, então? E como mudar isto no futebol?

1- Em muitos desportos norte-americanos, os árbitros têm acesso live à gravação do jogo e podem tomar decisão com base nessas imagens. Em situações importantes podem sempre consultar o vídeo. Também no futebol isto pode ser aplicado, prevenindo que uma simulação possa alterar um resultado.

2- Pelo menos na NBA e NFL, se for provado que um jogador simulou uma falta para daí obter algum benefício, o clube e o próprio jogador terão de pagar multas.

3- Se o jogo for jogado em tempo real (parando o relógio de cada vez que a bola sai para canto, pontapé de baliza, ou há uma falta), deixa de fazer sentido simular uma lesão para perder tempo.

4- A mentalidade de todas as pessoas envolvidas em desportos em que existem regras contra o "teatro" é completamente diferente. Se cá já é uma vergonha simular uma falta ou perder tempo no final do jogo quando se está a ganhar, sobretudo do ponto de vista do adepto, lá é para toda a gente. Os comentadores não param de falar nisso. Mais importante do que o próprio castigo é o facto de o acto ser mal-visto.

Assim que as entidades oficiais aplicarem regras específicas contra este comportamento, e os comentadores de futebol falarem mais nisto, rapidamente se cria um ambiente em que as simulações serão inaceitáveis. E já vem com atraso.





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