domingo, 28 de junho de 2015

A importância do desporto III - jogos não são só jogos, são a experiência

"As game designers, we must confront the painful truth that many people view games, in all their forms, as meaningless diversions. Usually, when I press people who hold this view, I can get them to admit some game that is very important to them. Sometimes it is a sport, either one they have played or one they watch religiously. Sometimes itis a card or board game that formed the cornerstone of tehir relationship with someone important to them. Sometimes it is a videogame with a storyline and characters they identify with. 
When I point out the hypocrisy of games as meaningless but a game as meaningful, they explain, "Well, it really wasn't the game I cared about - it was the experience that we t with the game." But as we've discussed, experiences aren't just associated with games at random; they are what emerge when players interact with a game. The parts of the experience that are important to people, such as the drama of a sporting event, the camaraderie between bridge players, or the rivalry of chess entusiasts, all are determined by the design of the game." 
Jesse Schell, The Art of Game Design



Acho que não conheço alguém a quem nenhum jogo tenha proporcionado uma experiência marcante, e com sorte de uma maneira profunda. Mesmo quando os desportos e jogos eram coisas muito mais simples e abstractas isso acontecia. Existe o argumento de que os jogos são artefactos demasiado primitivos para que uma experiência significativa nasça deles, mas mesmo nos mais simples existe a camaradagem, a mestria e o esforço físico ou mental e a luta por um objectivo, todos eles capazes de estruturar uma pessoa. Mas com a tecnologia que tem aparecido nesta área e a expressão artística aliada a ela, os jogos podem perfeitamente criar uma história e um ambiente tão marcantes como um filme ou um livro (isto já me aconteceu com os jogos da série Fallout).

"Ultimately, a game designer does not care about games. Games are merely a means to an end. On their own, games are just artifacts - clumps of cardboard or bags of bits. Games are worthless unless people play them. Why is this? What magic happens when games are played? When people play games, they have an experience. Without the experience, the game is worthless." 
Jesse Schell, The Art of Game Design

Jogos diferentes criam experiências diferentes, e mesmo num só jogo a experiência não é igual para todas as pessoas. Muita gente vê futebol porque o jogo é familiar e ver um jogador fazer uma certa jogada activa os seus neurónios espelho mais facilmente do que em qualquer outro desporto; outros porque a liberdade de movimentos os inspira; eu só vejo porque a massa de adeptos que gravita em torno do futebol me puxa também. É por isso que temos desportos e jogos diferentes, o que não quer dizer que uns não sejam mais propícios a dar-nos uma experiência positiva específica, como os videojogos que têm uma história associada ou jogos de tabuleiro com um tema forte e bem expresso.

Em jogos de tabuleiro ou videojogos, ou qualquer tipo de desportos, o que importa não é o jogo, não é o conjunto de regras a usar para atingir um objectivo, é a experiência. Independentemente de estarmos a ver ou a praticar, o que de importante retiramos de um jogo, é a experiência de ganhar ou perder, de ultrapassar barreiras do nosso corpo, a emoção de uma jogada específica, a união com os que estiveram lá connosco. O jogo em si não é essa experiência, ele apenas possibilita que ela exista. No final de contas, um jogo dá-nos mais do que apenas o resultado do puzzle.




quinta-feira, 18 de junho de 2015

Um mau dia para Mount Hermon



A fotografia tem cerca de 50 anos e é das coisas mais estranhas que já vi durante um jogo. Mesmo na altura, quando a alteração de imagens não era comum, a fotografia era demasiado incrível para ser verdadeira. Ainda assim foi um clássico instantâneo, replicado em todos os jornais, de todo o mundo, com títulos que brincavam com a "rivalidade ardente" entre as duas equipas.

A fotografia é real. O que fez com que duas equipas e tantos adeptos continuassem com o desporto enquanto um edifício da escola de Mount Hermon, Massachusetts, onde o jogo decorria, ardia a este ponto? Eram muitas as teorias, levando a discussões sobre a devoção pouco saudável dos americanos ao football, capacidade de concentração de jogadores e árbitros, à falta de coerência das prioridades dos adeptos ou da falta de protocolos para lidar com incêndios.

A fotografia é real, mas engana. Na verdade o edifício está a 90 metros do campo. O jogo parou quando o fogo começou, mas os bombeiros quiseram manter toda a gente afastada e pediram para que o jogo continuasse, para que menos pessoas estivessem a atrapalhar.

Ao intervalo a equipa da casa perdia por 20-0 contra a Deerfield Academy. A última coisa que queriam ouvir é que o jogo ia continuar; o ar estava quente e as forças de que precisariam para dar a volta ao jogo começavam a faltar. Mas o jogo continuou. Enquanto muitos dos alunos combatiam o incêndio no edifício das ciências, os colegas começaram a dar a volta dentro de campo. 20-14, um touchdown de diferença, nos momentos finais, com a posse de bola para a equipa da casa. O treinador de Deerfield fez uma jogada defensiva arriscada, mudando um jogador de posição para que ele pudesse tentar placar o quarterback de Mount Hermon. Assim foi. Mount Hermon perdeu o jogo e o edifício das ciências no mesmo dia.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Jorges Jesus - o que eu vejo

A história já tem um par de semanas e mesmo assim ainda não parece bem verdade. Acho que só me vai cair a ficha quando o vir nos jornais com o cachecol do Sporting, a treinar jogadores do Sporting, no campo do Sporting. Não quero com isto dizer que estou triste, desesperado, sem querer acreditar que é verdade. É só porque coisas destas só acontecem nas novelas. Eu já devia saber que no desporto também.



A época do Quique Flores foi dos anos em que mais afastado estive do Benfica, em parte porque estive fora do país durante algum tempo, em parte porque jogávamos mal como tudo com uma equipa que, comparando com anos de má memória ainda bem recentes, era boa. Obrigado Quique por nos dares o Maxi, mas serviste para pouco mais. Depois chegou o Jorge Jesus. Mal tinha ouvido falar dele, não andava muito embrenhado no futebol, mas gostei da pinta. Sobretudo porque muitas pessoas acham que um treinador é um gajo bem falante como o Quique, com classe, quando um treinador apenas tem de meter a malta a jogar à bola.

Nunca tinha visto o Benfica a jogar assim, como o fez na primeira época do Jesus. Nunca tinha visto a alegria dos adeptos, ao ponto de perdoarem todos os erros e teimosias do treinador. Foi de tal modo que esse estado de graça aguentou-o durante duas épocas de maus resultados e menos bom futebol. Mas depois disso a paciência da maioria não dava para mais. No ano em que o Benfica à Jesus passou realmente a ser o Benfica à Jesus, com um futebol menos efusivo mas sólido que nem uma rocha, os títulos foram pelo ralo num misto de erros teimosos e mau olhado. Eu estava lá na final da taça, contra o Guimarães, e lembro-me, como se fosse hoje, de duas coisas: do ar triste do Coentrão, que tinha ido ver o jogo, a sair do estádio no seu carrão com toda a gente a pedir-lhe para voltar ao Benfica, e de ter defendido com toda a força a crença em que a continuação do Jesus era o melhor para o Benfica. Ainda bem que o Filipe Vieira achava o mesmo.

Por isso é que é tão estranho o que se passa neste momento. O Benfica é bi-campeão, os adeptos estão do lado de toda a estrutura, a equipa está sólida e não parece que vá ser desmembrada, ao contrário do que se passou nos últimos anos. Finalmente parecia que o Jesus tinha as bases para conseguir um dos seus sonhos: construir uma equipa para ganhar a Champions. Mais do que isso, o Jesus ia ficar na história do Benfica - e de todo o futebol - como um herói se continuasse por muitos e bons anos. Ele estava no topo e continuava a construir para chegar mais alto.

A saída dele é uma machadada grande para o Benfica (só o Luís Filipe Vieira parece achar que não), mas também para o próprio Jesus. O Sporting - pondo de lado o amor que tem ao clube - é o pior casamento para ele: tem uma personalidade exibicionista como presidente, o que vai dar dores de cabeça aos dois; não vai ter dinheiro para construir uma equipa ao seu jeito; a filosofia da equipa é apostar na formação, que é o oposto da filosofia dele; e vai para um clube com muitos problemas estruturais que pioram as condições de trabalho da equipa.

A questão é que não se pode pôr de lado o amor que tem ao clube. Para mim apenas isso (aliado à vontade de revolta contra Luís Filipe Vieira, se as notícias de que o presidente achava que não precisava de Jesus forem verdadeiras e ele soubesse disso) justifica a decisão do Jesus. O Sporting está numa fase má com tendência para melhorar, e imagino que o Jesus se queira transformar na pessoa que devolveu a glória ao seu clube do coração. Se essa for a sua motivação, ninguém lhe pode atirar à cara a decisão, mesmo que venha a ser errada do ponto de vista da sua carreira. Ele pôs-se a si mesmo num lugar que pertencia aos seus sonhos.



Infelizmente para ele, muitos vão passar a vê-lo como o treinador que mudou para o rival. Aquilo que significava para o Benfica mirrou e perdeu força. Agora é apenas um bom treinador, com três campeonatos ganhos e outros feitos, e não um herói do clube. Muitos chamá-lo-ão de traidor, e com razão. Não se traiu a ele próprio, mas traiu quem apostou nele e lhe deu liberdade para ficar na história. Dessa mudança ele não se safa, e irá senti-la todos os dias.