segunda-feira, 15 de junho de 2015

Jorges Jesus - o que eu vejo

A história já tem um par de semanas e mesmo assim ainda não parece bem verdade. Acho que só me vai cair a ficha quando o vir nos jornais com o cachecol do Sporting, a treinar jogadores do Sporting, no campo do Sporting. Não quero com isto dizer que estou triste, desesperado, sem querer acreditar que é verdade. É só porque coisas destas só acontecem nas novelas. Eu já devia saber que no desporto também.



A época do Quique Flores foi dos anos em que mais afastado estive do Benfica, em parte porque estive fora do país durante algum tempo, em parte porque jogávamos mal como tudo com uma equipa que, comparando com anos de má memória ainda bem recentes, era boa. Obrigado Quique por nos dares o Maxi, mas serviste para pouco mais. Depois chegou o Jorge Jesus. Mal tinha ouvido falar dele, não andava muito embrenhado no futebol, mas gostei da pinta. Sobretudo porque muitas pessoas acham que um treinador é um gajo bem falante como o Quique, com classe, quando um treinador apenas tem de meter a malta a jogar à bola.

Nunca tinha visto o Benfica a jogar assim, como o fez na primeira época do Jesus. Nunca tinha visto a alegria dos adeptos, ao ponto de perdoarem todos os erros e teimosias do treinador. Foi de tal modo que esse estado de graça aguentou-o durante duas épocas de maus resultados e menos bom futebol. Mas depois disso a paciência da maioria não dava para mais. No ano em que o Benfica à Jesus passou realmente a ser o Benfica à Jesus, com um futebol menos efusivo mas sólido que nem uma rocha, os títulos foram pelo ralo num misto de erros teimosos e mau olhado. Eu estava lá na final da taça, contra o Guimarães, e lembro-me, como se fosse hoje, de duas coisas: do ar triste do Coentrão, que tinha ido ver o jogo, a sair do estádio no seu carrão com toda a gente a pedir-lhe para voltar ao Benfica, e de ter defendido com toda a força a crença em que a continuação do Jesus era o melhor para o Benfica. Ainda bem que o Filipe Vieira achava o mesmo.

Por isso é que é tão estranho o que se passa neste momento. O Benfica é bi-campeão, os adeptos estão do lado de toda a estrutura, a equipa está sólida e não parece que vá ser desmembrada, ao contrário do que se passou nos últimos anos. Finalmente parecia que o Jesus tinha as bases para conseguir um dos seus sonhos: construir uma equipa para ganhar a Champions. Mais do que isso, o Jesus ia ficar na história do Benfica - e de todo o futebol - como um herói se continuasse por muitos e bons anos. Ele estava no topo e continuava a construir para chegar mais alto.

A saída dele é uma machadada grande para o Benfica (só o Luís Filipe Vieira parece achar que não), mas também para o próprio Jesus. O Sporting - pondo de lado o amor que tem ao clube - é o pior casamento para ele: tem uma personalidade exibicionista como presidente, o que vai dar dores de cabeça aos dois; não vai ter dinheiro para construir uma equipa ao seu jeito; a filosofia da equipa é apostar na formação, que é o oposto da filosofia dele; e vai para um clube com muitos problemas estruturais que pioram as condições de trabalho da equipa.

A questão é que não se pode pôr de lado o amor que tem ao clube. Para mim apenas isso (aliado à vontade de revolta contra Luís Filipe Vieira, se as notícias de que o presidente achava que não precisava de Jesus forem verdadeiras e ele soubesse disso) justifica a decisão do Jesus. O Sporting está numa fase má com tendência para melhorar, e imagino que o Jesus se queira transformar na pessoa que devolveu a glória ao seu clube do coração. Se essa for a sua motivação, ninguém lhe pode atirar à cara a decisão, mesmo que venha a ser errada do ponto de vista da sua carreira. Ele pôs-se a si mesmo num lugar que pertencia aos seus sonhos.



Infelizmente para ele, muitos vão passar a vê-lo como o treinador que mudou para o rival. Aquilo que significava para o Benfica mirrou e perdeu força. Agora é apenas um bom treinador, com três campeonatos ganhos e outros feitos, e não um herói do clube. Muitos chamá-lo-ão de traidor, e com razão. Não se traiu a ele próprio, mas traiu quem apostou nele e lhe deu liberdade para ficar na história. Dessa mudança ele não se safa, e irá senti-la todos os dias.





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